Os meus problemas ficam da porta para fora!
Será?
Há alguns meses, num treinamento para líderes intermediários de uma empresa da região bragantina – no interior de São Paulo, um treinando disse:
“- Ah, não sei se isso faz muito sentido para mim. Eu aprendi que meus problemas de casa, deixo na porta do trabalho e, antes de encerrar meu turno, deixo na empresa os problemas de lá. Sempre deu certo!”
O tema era humanização nas relações de trabalho, e aquela frase fez todo sentido, afinal ela é quase um mantra, há muito tempo, em empresas do setor público ou privado, numa trajetória que atinge da alta direção à linha de frente operacional.
Normalmente dita como um segredo do sucesso, uma fórmula infalível, no mínimo lança uma questão: será que somos mesmo capazes de nos dividir, de simplesmente deixar de lado a preocupação com o resultado de um exame que estamos aguardando, ou se seremos capazes de arcar com as despesas do mês diante de um contratempo financeiro, ou mesmo nos concentrarmos após um recente rompimento amoroso? Ou será que cada vez mais aprendemos a camuflar nossas emoções, escondendo nossa inabilidade de lidar com as experiências ou processar de maneira saudável as emoções e, em algum momento, corremos o risco de somatizar, ou seja, levar para o corpo aquela energia reprimida, que pode vir à tona por meio de dores, inflamações, hipertensão arterial ou mesmo acidentes vasculares encefálicos?
Projeto Aristóteles
Em 25 de fevereiro de 2016, o repórter norte-americano Charles Duhigg publicou um artigo no The New York Times Magazine, intitulado What Google learned from its quest to build the perfect team: New research reveals surprising truths about why some work groups trhive and others falter (em tradução livre: O que o Google aprendeu com sua busca para construir a equipe perfeita: nova pesquisa revela verdades surpreendentes sobre porque alguns grupos de trabalho prosperam e outros vacilam).
Para entender se as crenças que tinham – de que para construir as melhores equipes, era necessário combinar as melhores pessoas, no ano de 2012, a empresa Google iniciou o que foi denominado Projeto Aristóteles, que consistiu em formar uma equipe de pesquisadores, de diversas áreas, para buscar conhecer o que seria necessário para obter uma equipe de sucesso.
Inicialmente o grupo debruçou-se sobre centenas de estudos acadêmicos, a respeito de como as equipes trabalhavam, partindo de hipóteses que sugeriam a necessidade de haver interesses em comum, motivação pelo mesmo tipo de recompensa, nível de escolaridade ou mesmo participação em eventos sociais fora do ambiente de trabalho. Na sequência, passaram a estudar mais de 180 equipes da própria empresa e, no entanto, mesmo sendo uma das organizações com maior expertise em encontrar padrões em todo o mundo, não conseguiram descobrir nada que pudesse ser indicado como condições, sem as quais não seria possível alcançar o sucesso das equipes. Segundo Abeer Dubey, líder do projeto, simplesmente “… não havia padrões fortes…” nos achados.
Segurança Psicológica
Após mais um período de estudos, os pesquisadores do Projeto Aristóteles encontraram uma outra pesquisa, de 2008, de ação conjunta de psicólogos das instituições Carnegie Mellon, M.I.T. e Union College, que buscaram determinar se haveria um Quociente Intelectual (QI) de grupos, baseando-se nos métodos psicométricos que determinavam o QI de indivíduos.
Os principais achados deste estudo indicavam que os grupos que haviam se saído bem em determinada tarefa, geralmente obtinham mesmo resultado nas demais tarefas propostas, o mesmo ocorrendo com as equipes que falhavam em uma tarefa, mantendo o resultado deficitário nas demais. Também neste estudo, não se encontraram padrões em um primeiro momento, mas determinaram dois comportamentos em comum às equipes de melhor performance.
Em primeiro lugar, todos os componentes do grupo tinham oportunidade de partilharem suas ideias e sugestões, fenômeno que denominaram “igualdade na distribuição de revezamento de conversação”. Em segundo lugar, os integrantes do grupo mostraram possuir “sensibilidade social”, ou seja, conseguiam identificar o estado emocional dos demais por pistas sociais, como tom de voz, expressões faciais e linguagem não-verbal.
Com esta pesquisa, a equipe Google deparou-se com o conceito de “segurança psicológica”, que é descrito por Amy Edmondson – professora de Harvard Business School em seu livro “A organização sem medo: criando segurança psicológica no local de trabalho para aprendizado, inovação e crescimento”, como sendo “…a crença de que o ambiente de trabalho é seguro para correr riscos interpessoais. O conceito se refere à experiência de se sentir capaz de expressar-se com ideias relevantes, perguntas ou preocupações. A segurança psicológica está presente quando os colegas confiam uns nos outros, respeitam-se e se sentem capazes — mesmo obrigados — de serem francos.” (Rio de Janeiro: Alta Books, 2020, p. 31).
Encontrando a última peça
Então, a equipe do Projeto Aristóteles encontrou a peça que faltava para o quebra-cabeça, e compreendeu que a segurança psicológica era fundamental para uma equipe funcionar com sucesso, aliado a objetivos claros e ter uma cultura de confiabilidade.
Por fim, os pesquisadores compartilharam os resultados dos quase 3 anos de pesquisa com os 51.000 funcionários do Google, para que pudessem desenvolver ideias de como implementar a cultura de comunicação interpessoal e empatia nos respectivos grupos.
Não há como dissociarmos nossa vida pessoal da profissional, e isso sequer é saudável, vez que desestabiliza a necessária regulação emocional, e não permite que se possa avaliar alternativas, conhecer necessidades ou realizar mudanças.
Independente do cargo que se ocupa na empresa, é possível permitir o compartilhamento, a amenidade e a troca, para que o ambiente seja saudável para nós e para quem nos cerca, gerando humanização e equipes de alta performance.
Autora:
Soraya Corrêa Alvarez
Diretora Executiva da Tabula Rasa Consultoria