
O ano em que o futuro do trabalho parou de ser teoria. Se eu tivesse que resumir 2025 em uma imagem, seria assim: um tabuleiro de xadrez corporativo em que a diretoria move peças como se fossem números e, do outro lado, milhões de pessoas respondem com politrabalho, silêncio calculado e uma pergunta martelando a cabeça. Vale a pena ficar aqui?
Ao longo do ano, debatemos, nem sempre de forma harmônica, sobre modelo de trabalho, geração Z, demissões, IA, confiança, salários emocionais e toda a sopa de letrinhas que inventamos para falar de gente. Agora é hora de olhar o filme inteiro.
O ano em que o trabalho deixou de ser só lugar
Falamos de home office, híbrido, retorno ao presencial. Vimos empresas anunciando decretos de volta obrigatória como se estivessem fazendo um favor moral ao país.
Em vários textos, bati em uma tecla que 2025 comprovou na marra: modelo de trabalho não é logística. É confiança. Onde havia confiança, as conversas sobre presencial ou remoto foram duras, mas honestas. Houve negociação, fases de teste, escuta real. Onde a confiança já estava quebrada, qualquer comunicado sobre modelo de trabalho virou ameaça.
A cena do ano, para mim, foi a novela do retorno ao escritório em grandes empresas de tecnologia e bancos digitais. Gente sendo obrigada a mudar de cidade, debates públicos sobre cultura, colaboradores sugerindo formatos em que líderes encarassem olhos nos olhos quem seria mais impactado. Não é sobre escritório. É sobre respeito.
Geração Z, politrabalho e o fim da lealdade cega
Outra linha que destaquei foi a mudança de mentalidade das gerações mais jovens. Falamos da geração Z que faz politrabalho porque não confia em ter só uma fonte de renda. Do jovem que entrega muito, mas se engaja de verdade apenas onde vê propósito, clareza e coerência. Da recusa cada vez maior em aceitar comando no escuro.
O ano de 2025 deixou claro que lealdade cega acabou. O que existe agora é lealdade condicional. Eu fico enquanto fizer sentido para os dois lados. Isso assusta empresas acostumadas a gente que aguenta tudo. Mas é um enorme convite à maturidade. Empresa que quer compromisso precisa oferecer reciprocidade.
IA, bolhas e pânico mal administrado
Também falei bastante sobre inteligência artificial. Em eventos, ouvi a frase que melhor sintetiza o momento. IA hoje é bolha, mas a internet também foi. Quando essa bolha estourar, o impacto será maior do que muita gente imagina.
Ao longo do ano, vimos executivos tratando IA como marketing, RH experimentando ferramentas por curiosidade e alguns líderes usando o tema como pano de fundo para cortes e reestruturações.
Em perspectiva, 2025 ensinou duas coisas fundamentais:
- Ninguém sério consegue mais ignorar IA
- Ninguém responsável deveria vender IA como mágica que resolve problema de gestão ruim
O medo de substituição explodiu. Em vez de enfrentar o assunto de frente, muitas empresas preferiram ficar na ambiguidade. Treinamentos superficiais, comunicados genéricos, nenhuma conversa honesta sobre quais funções vão mudar mesmo.
O resultado foi previsível: ansiedade alta e preparação baixa.
Layoffs, saúde mental e RH no meio do fogo cruzado
Não ficou de fora dos temas as demissões contínuas, empresas Kinder Ovo que sempre têm uma surpresinha desagradável dentro, o cinismo de processos seletivos que prometem uma coisa e entregam outra.
Nisso, se consolidou um padrão cruel: demissões em conta gotas, sem grandes anúncios, mas com clima permanente de medo. As pessoas já entram no trabalho imaginando quando será a próxima leva.
Enquanto isso, saúde mental ganhou palco em campanhas e palestras, mas continuou pouco considerada em calendário de metas e orçamento. RH virou amortecedor de decisões tomadas sem profundidade, tentando limpar o sangue com discurso motivacional.
Falei ao longo do ano e repito: não existe saúde mental organizacional quando a estratégia é incoerente. Meditação não compensa meta absurda.
O fio condutor escondido em todos esses temas
Quando junto tudo o que escrevi em 2025, o filme fica mais nítido
- Modelo de trabalho não é home office contra escritório. É liberdade com responsabilidade contra controle vazio.
- Geração Z e politrabalho não é jovem folgado. É gente que aprendeu cedo que depender de uma aposta só é arriscado.
- IA não é máquina contra humano. É humano preparado contra humano desatento.
- Demissões e liderança não é sobre corte inevitável contra sentimentalismo. É transparência dura contra narrativa covarde.
Se estivesse começando carreira hoje, provavelmente estaria obcecado por aprender IA e por entender gente. Estaria desenhando experiências de trabalho tão bem quanto desenhava processos e lembraria que a pergunta central continua sendo a mesma: que tipo de sociedade estamos construindo quando escolhemos organizar o trabalho deste jeito?
O convite para 2026
Retrospectiva não é nostalgia. É diagnóstico.
Para empresas, o recado é direto
- Se continuar medindo produtividade pela quantidade de dias no escritório, vai perder gente boa.
- Se continuar falando de propósito sem deixar o time ver o orçamento, vai gerar cinismo, não engajamento.
- Se continuar usando IA como cortina de fumaça para decisões financeiras, vai colher desconfiança por muitos anos.
Para profissionais, o convite é igualmente firme
- Assuma a carreira como projeto próprio, não como prêmio da empresa.
- Aprenda a usar IA, não para virar máquina, mas para liberar tempo para aquilo que só você pode fazer.
- Escolha onde colocar engajamento de verdade. Entregar o mínimo onde não há respeito é proteção. Ficar muito tempo onde não há mínimo de alinhamento é auto sabotagem.
2025 foi o ano em que o futuro do trabalho deixou de ser conferência e virou sobrevivência diária. Em 2026, ou a gente aprende a fazer essa conversa com menos teatro e mais responsabilidade, ou vamos seguir empurrando talento para fora das empresas que mais precisam dele.
Eu, de cá, vou continuar fazendo o que sempre fiz: cutucar, incomodar, misturar dados com indignação e lembrar que, por trás de qualquer sigla chique, ainda existe gente tentando pagar boleto, criar filho, construir alguma dignidade na vida.
Esse é o meu verdadeiro balanço do ano. O resto é especulação e sonho.
Autor: Diego Rondon
