A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), recentemente atualizada por meio da Portaria SEPRT nº 6.730/2020, trouxe uma nova abordagem para a gestão de segurança e saúde no trabalho no Brasil. A norma passou a exigir das organizações uma postura mais proativa no gerenciamento de riscos ocupacionais, por meio da criação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e da adoção dos princípios do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Essa reformulação não apenas substitui práticas antigas, muitas vezes centradas no cumprimento meramente documental, mas também impõe uma cultura organizacional voltada à prevenção contínua e à gestão efetiva dos riscos nos ambientes de trabalho, principalmente os psicossociais.
Nesse novo cenário regulatório, o departamento de compliance assume um papel fundamental. Tradicionalmente voltado à conformidade legal e ética da organização, o compliance pode – e deve – ser um agente facilitador da adaptação à NR-1. Sua função vai além de assegurar que a empresa cumpra formalmente as obrigações legais. Ele deve ajudar a implementar, monitorar e aprimorar os mecanismos internos de controle relacionados à saúde e segurança do trabalho.
O primeiro ponto de contribuição do compliance se dá no mapeamento de riscos. Ao integrar os riscos legais e regulatórios do ambiente ocupacional ao sistema geral de gerenciamento de riscos da empresa, o departamento ajuda a identificar lacunas que poderiam resultar em sanções administrativas, multas ou ações judiciais. Essa análise, quando feita em colaboração com os profissionais da área de segurança do trabalho, permite uma visão mais ampla e estratégica dos perigos associados às atividades laborais.
Outro aspecto importante é a revisão e adequação das políticas internas da empresa. A NR-1 exige que as organizações adotem posturas mais transparentes e responsáveis na prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. O compliance, ao revisar os regulamentos internos, códigos de conduta e manuais operacionais, pode garantir que essas diretrizes estejam em conformidade com os novos requisitos normativos, promovendo uma cultura institucional que valorize a integridade, a responsabilidade e a segurança.
Além disso, o compliance desempenha um papel essencial no monitoramento contínuo das ações preventivas. Por meio da realização de auditorias internas ou externas e do acompanhamento sistemático das práticas de segurança, é possível verificar se o PGR está sendo devidamente implementado e se os princípios do GRO estão, de fato, integrados à rotina da organização. Quando identificadas não conformidades, o compliance pode coordenar a elaboração de planos de ação corretiva, assegurando que os desvios sejam tratados com a devida urgência e responsabilidade.
A comunicação interna e o treinamento também fazem parte do escopo de atuação do compliance nessa temática. A NR-1 exige capacitação contínua dos trabalhadores quanto aos riscos aos quais estão expostos e às medidas de controle adotadas. O compliance pode colaborar com os setores de Recursos Humanos e Segurança do Trabalho para desenvolver programas de treinamento que não apenas atendam à norma, mas que também reforcem os valores de ética, prevenção e cultura de segurança. Treinamentos sobre assédio moral e sexual são mandatórios para todos os colaboradores, mas principalmente para a alta direção da empresa. Sem o exemplo que vem de cima, a cultura organizacional pode vir a repetir os piores comportamentos. Portanto, o apoio incondicional da alta direção é essencial.
Outra contribuição relevante diz respeito aos canais de denúncia e à responsabilização. A empresa por meio do compliance deve oferecer um meio seguro e eficaz para o relato de condutas inadequadas ou até ilegais para receber informações sobre negligências, omissões ou irregularidades relacionadas à segurança do trabalho. Esses dados devem ser tratados, durante o processo de investigação, com respeito, imparcialidade e sigilo, o que pode permitir que o comitê de ética tome decisões baseadas em evidências e promova as correções necessárias, demonstrando comprometimento real com o bem-estar dos colaboradores.
Essa atuação integrada do compliance com áreas como o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), o departamento jurídico e o departamento de recursos humanos contribuem significativamente para uma gestão de riscos ocupacionais mais madura e eficaz. Ao alinhar esforços, essas áreas garantem não apenas o cumprimento da legislação, mas também o fortalecimento da governança corporativa, a redução de passivos trabalhistas e a melhoria da reputação institucional.
Em síntese, a implementação da nova NR-1 exige mais do que adequações técnicas, ela demanda uma mudança de mentalidade. O compliance, ao atuar de forma transversal e estratégica, tem o potencial de transformar essa exigência normativa em uma oportunidade de melhoria contínua. Quando bem estruturado, esse trabalho conjunto entre compliance e segurança do trabalho reforça a responsabilidade social da empresa, eleva seus padrões de governança e contribui diretamente para um ambiente de trabalho mais seguro, ético e sustentável.
Patricia Punder, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.
